O ROMANCE NEO-REALISTA EM PORTUGAL



A denominação Neo-Realismo nos sugere a volta da moda realista, mas, em se tratando de Literatura, é claro que não pode haver um “retorno” de um movimento literário. Esses movimentos nem retornam, nem admitem fronteiras. O que a princípio pode aparentar um retorno é, na verdade, uma transformação enriquecida.
O rótulo “Realismo” com que foi batizado o movimento que segue o Romantismo, se deve à acentuada tendência para a observação direta da realidade, através de um registro objetivo e impessoal, sem as idealizações comuns às artes de até então.
O Realismo levou o gênero romance para o campo da observação metódica e objetiva, contaminando-o pela busca apaixonada dos fenômenos vividos e analisáveis. A vida humana tornou-se documento de pormenorizada pesquisa diante da qual o escritor procurava manter-se frio e neutro para conseguir a objetividade fotográfica, o que era a atitude estética exigida, mas nem sempre conseguida.
O escritor realista denunciará uma sociedade corrompida e falsa. Eça de Queiroz, por exemplo, denunciou a falsidade do relacionamento social do ponto de vista ético-amoroso. Os neo-realistas denunciam a falsidade do funcionamento social, numa sociedade corrompida e falsa do “pós-guerra”.
Há também no Neo-Realismo a tendência para a observação direta da realidade, numa tentativa de estruturação cinematográfica do romance. Mas o registro do autor nem sempre será impessoal.
O herói realista vai se multiplicar por cem, por mil, e se tornar quase anônimo no Neo-Realismo, porque as personagens centrais se confundem no drama coletivo de todo um povo, desfavorecido e humilde.
Em Portugal, a geração neo-realista pretendeu preencher o vazio que a morte de Eça de Queiroz deixou no romance português. Se conseguiu ou não, só o tempo há de dizer.

LENDAS DO ESPORTE - POMPEIA

José Valentim da Silva, o Pompéia, nasceu em 27 de setembro de 1934, na cidade de Itajubá, no sul de Minas Gerais. Na escola ele gostava de desenhar a figura do Popeye, que era o símbolo do Flamengo, mas seus colegas não sabiam falar o nome direito e colocaram o apelido nele de Pompéia. 
Seu maior sonho era ser um artista de circo, talvez um trapezista, e a brincadeira predileta era saltar na cama elástica. Só iniciou sua vida esportiva mais tarde, como centroavante do Clube Itajubá, time de futebol formado por funcionários de uma fábrica de material bélico, que participava da segunda divisão do campeonato mineiro.
Depois ele jogou em um outro time da cidade, o São Paulo, ainda como centroavante. Certa vez em um jogo na cidade de Três Pontas, o goleiro do São Paulo adoeceu e Pompéia, que era o mais alto do time, foi escalado para o gol. Ele se saiu tão bem que acabou sendo a grande sensação da partida. Daí pra frente decidiu assumir a posição de goleiro. 
Em um jogo contra o Bonsucesso do Rio de Janeiro, Pompéia, o novo goleiro do São Paulo, entusiasmou tanto os torcedores com suas ousadas jogadas acrobáticas, que foi convidado pra treinar no Bonsucesso.
Pompéia não pestanejou e partiu para a então capital do Brasil, a cidade maravilhosa, principal vitrine do futebol no país. Assinou com o Bonsucesso o seu primeiro contrato profissional em abril de 1953 e no ano seguinte transferiu-se para o América, onde permaneceu por 11 anos. 
O aprendizado técnico como goleiro e atleta foi adquirido principalmente com a ajuda do seu primeiro treinador, Alfinete, no Bonsucesso. Ele levava Pompéia para observar como atuavam os lendários goleiros da época: Barbosa do Vasco e Castilho do Fluminense.
Mas Pompéia não copiou o estilo de nenhum deles e construiu um perfil próprio, onde a estética das defesas se sobrepunha à dificuldade do lance. Pra qualquer chute que viesse para o gol, ele desenhava uma cena mirabolante, variando entre a beleza plástica e o rocambolesco circense, lançando-se sobre a bola de maneira espetacular. 
Alguns críticos o consideravam meio presepeiro, mas para a maioria dos torcedores Pompéia era um goleiro sensacional. Por conta dos seus incríveis saltos de acrobacia ganhou a fama de goleiro voador; seu apelido era Ponte-aérea ou Constellation, o modelo de avião popular na época.
Quando estava no seu dia, Pompéia tomava conta da partida e dividia o espetáculo com os grandes craques da época, como Garrincha e Pelé.



O SOM DO PASQUIM

                          
                    

O OLHO-DE-BOI DOS BEATLES

Se ainda restasse alguma dúvida sobre serem Lennon e McCartney os expoentes máximos da criação musical desde Schubert, o lançamento deste álbum significou uma varrida nos últimos vestígios de vaidade cultural e preconceito burguês, com um dilúvio de composições que apenas os incultos deixarão de apreciar e só os surdos dele não se aperceberão. 
Traz o simples título The BEATLES, num envol­tório singelamente branco, cujo adorno são os nomes das canções... E aquelas quatro faces, que para alguns representam a ameaça da juventude de cabelos longos; para outros, a luta desesperada e aparentemente sem fim contra aqueles cínicos — os chamados “superiores”. 
Nos olhos dos Beatles, bem como em suas criações, vislumbra-se, como num espelho, o frágil e fragmentário da sociedade que os patrocina, representa, interpreta; que lhes faz exigências e os pune quando fazem o que os outros consideram errado. 
Paul, sempre esperançoso e pensativo; Ringo, sempre o filhinho da mamãe; George, o “terror local”, hoje “o bom rapaz”; John, ensimesmado, tristonho, mas possuidor de uma inteligência lúcida, não turbada pelo que a moralidade organizada lhe lança à conta. São eles os nossos legítimos heróis, até melhores do que merecemos. 
Não é que os Beatles sempre estejam em busca do louvor. A qualidade excelente das 30 novas canções - das alegrias simples da vida deles — e o lirismo de seus versos transbordam em fulgurantes lampejos; e tal é seu magnetismo que é impossível resistir.
Quase todas as faixas nos conduzem a um crescendo: vívidas, descui­dadas, indiferentes, leves. O tema varia, desde Piggies (você viu os grandes porcos em suas camisas brancas e engomadas?) até aquela sensação de um filme de sábado à tarde (ele foi para uma caçada ao tigre com seu fuzil para elefante, em caso de acidente, sempre levava sua mamãe); de “porque não fazemos na estrada" até as "trufas de Savoy". 
A habilidade na orquestração se desenvolve com precisão calculada. A orquestra inteira  metais, violino, carrilhão, saxofone, órgão, piano, cravo, todo tipo de percussão, flauta, efeitos sonoros  tudo com equilíbrio e virtuosismo. 
Suprimiram-se, ou melhor, ignoraram-se os dispositivos eletrônicos em favor da musicalidade. Referências ou cotações de Elvis Presley, Donovan, The Beach Boys e outros são tecidas dentro duma aura que os tornou os “tapeceiros persas” da música popular. Está tudo aqui, apenas apure o ouvido: Lennon canta “eu falei dos campos de morango” e “do tolo da colina" — o que mais resta?
Os Beatles são mais habilidosos do que propriamente virtuosos instrumentistas. Sua execução conjunta, porém, é intuitiva e admirável. Eles dobram e retorcem ritmos e frases musicais, com aquela liberdade total que dão às suas aventuras harmônicas  o frenesi da expectativa e do imprevisível. As vozes — e a de Lennon em particular — são mais um instrumento: lamentoso, estridente, zombeteiro, choroso. 
Há uma consensual determinação de escaparem da falsa intelectualização que usualmente os cerca e à sua música. A letra é quase sempre deliberadamente simples, como a composição Birthday, que encerra versos como “feliz aniversário para você". Outra em que é repetido “boa noite". Ainda outra expressa: “estou tão cansado, não consegui pregar o olho". A música é, igualmente, despojada de tudo, exceto da mais pura harmonia e ritmo, de sorte que aquilo que resta é um prolífico jorro de melodia, em uma criação musical de inequívoca clareza e beleza. 
A ironia e a mordacidade, que emprestam à sua música uma dificuldade e um limite, ainda estão borbulhantes: “Lady Madonna tentando viver dentro de suas posses; oh, sim, olhando através de lentes de cebola". A severidade na imaginação é ainda um tanto mais dura: “a águia bica meu olho, o verme corrói meu osso”; “nuvens negras, negros pássaros; asas partidas, lagartos, destruição". 
E a mais grotesca  uma extraordinária faixa que se chama simplesmente Revo­lução 9 e encerra efeitos de som, murmúrios ouvidos ao acaso, formalis­mo retrógrado, sons discordantes de lembranças subconscientes de uma civilização que se debate. Cruel, paranoica, inflamada, agonizante, sem esperança, que ganha forma por meio de uma voz anônima de bingo, que apenas segue repetindo “número nove, número nove, número nove”, até que você sente vontade de gritar. A melancolia acumulada se reflete inteiramente nas suas propostas, como um véu purpúreo de irreal otimismo — fulgurante, inacessível, afetuoso. 
Por fim, tudo o que você tem a fazer é se levantar e aplaudir. Qualquer que seja a medida do seu gosto na música popular, você o satisfará aqui. Se você acha que música popular é Engelbert Humperdinck, creia: os Beatles foram um pouco mais além — sem sentimentalismos, mais apaixonadamente. Se pensa que o popular é rock’n'roll, saiba que eles o aprimoraram ainda mais, nas praias distantes da imaginação, ainda não palmilhadas por outros. 
Este álbum lhes consumiu cinco meses para o preparo. E, para o caso de você achar que foi muito lento, saiba que desde sua conclusão até a data destas linhas, eles já compuseram outras 15 canções. Nem mesmo Schubert trabalhou nesse ritmo.

*Tony Palmer, The Observer 1969.

Política e religião: o pensamento de Albert Einstein


Como todo mundo sabe, Albert Einstein foi um dos maiores cientistas do século XX. Suas teorias revolucionaram os conceitos da física clássica, tanto na abordagem de temas relativos ao macro-universo do espaço sideral, como também nas microdimensões do ambiente quântico.
As ideias e descobertas de Einstein, entretanto, são muito complexas e difíceis de ser compreendidas pelo senso comum. A linguagem científica da física é tão técnica e específica, que se torna incompreensível para a grande maioria das pessoas.
Mas, em relação a temas humanos e sociológicos, como política e religião, por exemplo, qual era o pensamento do grande cientista alemão sobre estes dois assuntos?
Seguem abaixo dois textos selecionados de autoria de Einstein, o primeiro sobre política (Por que o socialismo?) e o segundo sobre religião (Minha crença).

- POR QUE O SOCIALISMO? - artigo escrito especialmente para o primeiro número da revista marxista estadunidense Monthly Review, lançada em maio de 1949.
- MINHA CRENÇA - escrito em agosto de 1932, com gravação feita com a voz do próprio Einstein registrada em disco de de vinil para a Liga Alemã de Direitos Humanos.

A auto-degradação do Poder Judiciário

Na tradição brasileira, o Poder Judiciário era visto e respeitado como o setor da organização política e jurídica constitucional mais merecedor de respeito e admiração, pelo alto nível ético de seus integrantes e por sua valiosa contribuição para a defesa e efetividade dos princípios e normas constitucionais. Esse elevado prestígio começou a ser perdido quando magistrados, de todos os níveis, começaram a se manifestar pela imprensa, externando opiniões sobre questões jurídicas e políticas.
Um velho brocardo – que é um princípio jurídico – segundo o qual “Juiz só fala nos autos”, passou a ser desprezado por magistrados exibicionistas em busca de publicidade. Com essa exposição fora dos autos esses magistrados começaram a comprometer seriamente o prestígio do Poder Judiciário, pois em muitos casos ficava evidente, além do exibicionismo, a manifestação de parcialidade política.
Uma denúncia recente tendo por base elementos concretos de comprovação de que magistrados estão “vendendo” suas decisões, compromete a boa imagem e o prestígio do Judiciário. Esses juízes, afrontando princípios fundamentais da Ética e do Direito, decidindo em favor de acusados corruptos e comprovadamente culpados da prática de ilegalidades, são pagos pelos beneficiários dessas tremendas imoralidades.
A simples denúncia dessa prática já teve o efeito de comprometer a imagem e o prestígio do Judiciário e de seus integrantes, mas havia a expectativa de que os órgãos superiores do Poder Judiciário – legalmente responsáveis pelo controle da ética e da legalidade dos magistrados de todos os níveis – adotassem medidas rápidas para impedir a continuidade desses desvios, com a severa punição dos magistrados corruptos. Não é o que vem ocorrendo.
A expectativa dos que tinham o Judiciário, em todos os níveis, como padrão de ética e de respeito aos preceitos jurídicos, vem sendo contrariada e, pode-se dizer, vem sendo agredida, por decisões dos órgãos do Judiciário legalmente competentes para o controle do comportamento dos integrantes da magistratura, para impedimento dos desvios e punição dos que infringirem os princípios éticos e jurídicos do Poder Judiciário.
Recentemente o jornal “O Estado de São Paulo” divulgou dados surpreendentes, demonstrando que em raros casos houve a punição devida, enquanto que na maioria dos procedimentos em que, comprovadamente, ocorreram graves desvios, os órgãos encarregados do controle dos atos e da punição dos infratores decidiram com absurda brandura, impondo punições suaves e deixando de aplicar as penas expressamente previstas em lei.
Na matéria jornalística aqui referida, intitulada “Em 11 anos, uma condenação por venda de sentenças”, informa-se que em apenas um caso, em que era acusada a ex-presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Maria do Socorro Barreto Penteado, foi imposta a prisão preventiva da acusada, além de seu afastamento do cargo. Informa-se, em seguida, que dos 17 magistrados punidos pelo Conselho Nacional de Justiça entre 2007 e 2018, pela acusação, comprovada, de venda de sentenças, em apenas um deles foi imposta uma condenação criminal. Quanto aos demais, houve apenas uma punição administrativa, com aposentadoria compulsória e manutenção de elevada remuneração pela aposentadoria.
É conveniente e oportuno assinalar que essa absurda suavidade da punição, além de eticamente reprovável implica também uma ilegalidade, por contrariar disposições expressas da Lei Complementar nº 35, de 14 de Março de 1979, que é a Lei Orgânica da Magistratura.
Com efeito, no capítulo II, que trata das “Penalidades aplicáveis aos magistrados”, dispõe a lei, no artigo 42, sobre as penas disciplinares. E no inciso V se especifica: – “Aposentadoria Compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço”. E no inciso VI está prevista a pena de demissão. Entretanto –e este é um ponto de fundamental importância para os casos de venda de sentenças – dispõe expressa e claramente o artigo 26 da Lei Orgânica da Magistratura: “Casos em que o magistrado vitalício perderá o cargo: II- em procedimento administrativo: b) recebimento, a qualquer título ou pretexto, de porcentagens ou custas nos processos sujeitos a seu despacho ou julgamento”. Nestes casos não tem aplicação a imposição de aposentadoria, mas a perda do cargo.
Paralelamente a essa punição administrativa, cabe a aplicação dos preceitos da legislação penal, mas para tanto é necessário que o caso seja remetido ao órgão judicial penal competente, o que habitualmente não se faz. E, como informa a matéria jornalística acima referida, de todos os casos de punição administrativa por esses desvios de comportamento apenas um caso levou à punição criminal: o desembargador Carlos Rodrigues Feitosa, do Tribunal de Justiça do Ceará, foi condenado à pena de 13 anos e oito meses de prisão pelo crime de corrupção.
Em conclusão, a excessiva leniência dos órgãos do Judiciário encarregados do controle dos atos da magistratura está comprometendo seriamente a imagem do Poder Judiciário. Essa grave omissão dos órgãos do Judiciário, deixando, inclusive, de adotar as providências para a punição legalmente prevista dos magistrados infratores, está afetando seriamente a imagem do Poder Judiciário como padrão de comportamento ético.
Urge que os órgãos de controle do desempenho dos integrantes da magistratura passem a atuar com rigor no controle do comportamento ético e jurídico dos magistrados de todos os níveis. É preciso, inclusive, punir com o adequado rigor, aplicando sem leniência os preceitos legais. Isso é necessário para que os brasileiros voltem a ter confiança e admiração pela magistratura, como instrumento eficaz para assegurar o respeito e a efetividade dos princípios e das normas constitucionais.

*Dalmo Dallari.

Perdendo minha religião em troca da igualdade


Tenho sido um cristão praticante por toda minha vida e um diácono e professor de Bíblia por muitos anos. Minha fé é uma fonte de vigor e conforto para mim, como o são crenças religiosas para centenas de milhões de pessoas ao redor do mundo. Assim, minha decisão de romper minhas ligações com a Convenção Batista do Sul [dos Estados Unidos], depois de seis décadas, foi dolorosa e difícil. Foi, porém, uma decisão inevitável quando os líderes da Convenção, citando alguns versículos bíblicos cuidadosamente selecionados e reivindicando que Eva foi criada só depois de Adão e foi responsável pelo pecado original, determinaram que mulheres precisam ser “submissas” a seus maridos e proibidas de servir como diáconas, pastoras ou capelãs no serviço militar.
      Essa visão de que mulheres são de algum modo inferiores aos homens não está restrita a uma religião ou crença. As mulheres são impedidas de desempenhar um papel pleno e igual em muitas crenças. Nem, tragicamente, sua influência cessa nos muros da igreja, da mesquita, da sinagoga ou do templo. Essa discriminação, injustificadamente atribuída a uma Autoridade Mais Elevada, tem conferido a razão ou desculpa para negar a mulheres direitos iguais mundo afora por séculos.
        Na sua forma mais repugnante, a crença de que mulheres precisam estar subjugadas aos desejos de homens legitima escravidão, violência, prostituição forçada, mutilação genital e leis nacionais que não reconhecem o estupro como crime. Mas também custa a muitas milhões de meninas e mulheres o controle sobre seus corpos e vidas, e continua a lhes negar um acesso justo à educação, à saúde, ao emprego e à influência dentro de suas próprias comunidades.
        O impacto dessas crenças religiosas afeta cada aspecto de nossas vidas. Elas ajudam a explicar por que em muitos países meninos são educados antes de meninas; por que a meninas lhes é dito quando e com quem devem se casar; e por que muitas enfrentam riscos enormes e inaceitáveis na gravidez e no parto porque suas necessidades básicas de saúde não são atendidas.
        Em algumas nações islâmicas, as mulheres têm seus movimentos restringidos, são punidas por permitirem a exposição de um braço ou tornozelo, excluídas da educação, proibidas de dirigir um carro ou de competir com homens por um emprego. Se uma mulher é estuprada, ela é frequentemente punida do modo mais severo como sendo a parte culpada no crime.
O mesmo pensamento discriminatório se encontra no continuado fosso entre gêneros e do fato de que ainda tão poucas mulheres estão em postos públicos no Ocidente. A raiz desse preconceito se encontra profundamente em nossas histórias, mas seu impacto é sentido a cada dia. Não são apenas mulheres e meninas que sofrem. Isso prejudica a todos nós. A evidência mostra que investir em favor de mulheres e meninas traz enorme benefício à sociedade. Uma mulher educada tem filhos mais saudáveis. Ela é mais propensa a enviá-los à escola. Ela tem renda mais elevada e investe o que ganha em sua família.
Para qualquer comunidade simplesmente é profundamente prejudicial discriminar metade de sua população. Precisamos desafiar essas atitudes e práticas de interesses egoístas e ultrapassados – como estamos vendo ocorrer no Irã onde mulheres estão à frente da batalha pela democracia e pela liberdade. 
Eu entendo, porém, por que muitos líderes políticos podem ser relutantes em pisar nesse terreno minado. Religião e tradição são áreas poderosas e sensíveis quando são desafiadas. Mas meus colegas Anciãos (Elders) e eu, que viemos de muitas crenças e panos de fundo, já não precisamos nos preocupar em obter votos ou evitar controvérsias – e estamos profundamente comprometidos em desafiar a injustiça onde quer que a enxerguemos. 
O Elders é um grupo independente de líderes globais, congregados pelo ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, com o intuito de colocar sua influência e experiência a serviço da construção da paz, de ajudar a abordar as grandes causas do sofrimento humano e a promover os interesses comuns da humanidade. Nós tomamos a decisão de chamar atenção particular à responsabilidade de líderes religiosos e tradicionais em garantir igualdade e direitos humanos e recentemente publicamos uma declaração que reza: “A justificação da discriminação contra mulheres e meninas em base à religião ou tradição, como se fosse prescrita por uma Autoridade Mais Elevada, é inaceitável.”
Conclamamos a todos os líderes a confrontar e mudar ensinamentos e práticas danosas, não importa o quão arraigadas, que justificam discriminação contra mulheres. Pedimos, em especial, que líderes de todas as religiões tenham a coragem de reconhecer e enfatizar as mensagens positivas da dignidade e da igualdade que todas as maiores crenças mundiais compartilham.
Os versículos cuidadosamente selecionados encontradiços nas Escrituras Sagradas para justificar a superioridade de homens pertencem mais a tempo e lugar – e à determinação de líderes masculinos de se aferrar à sua influência – do que a verdades eternas. Excertos bíblicos semelhantes poderiam ser encontrados para apoiar a aprovação da escravidão e a aquiescência tímida a governantes opressores. 
Soa familiar também a descrições vívidas nas mesmas Escrituras, em que mulheres são reverenciadas como líderes preeminentes. Durante os anos da Igreja Cristã antiga, mulheres serviram como diáconas, sacerdotisas, bispas, apóstolas, mestres e profetas. Apenas no quarto século líderes cristãos dominantes, todos homens, tergiversaram e distorceram as Sagradas Escrituras para perpetuar suas posições ascendentes no interior da hierarquia religiosa.
A verdade é que líderes religiosos masculinos têm tido – e ainda têm – a opção de interpretar os ensinamentos sagrados seja para exaltar, seja para subjugar mulheres. Em base a seus próprios propósitos egocêntricos, eles têm esmagadoramente escolhido a segunda alternativa. Sua escolha continuada proporciona o fundamento ou a justificação para muito da ampla perseguição e abuso de mulheres ao redor do mundo. 
Isso constitui uma clara violação não apenas da Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas também dos ensinamentos de Jesus Cristo, do Apóstolo Paulo, de Moisés e dos profetas, Maomé, e os fundadores de outras grandes religiões – todas as quais têm chamado a tratamento apropriado e equitativo de todos os filhos e filhas de Deus. É tempo de termos a coragem de desafiar essas visões. 

*Jimmy Carter (The Observer, 2009).

O ROCKSTAR DEFINITIVO


Os fanáticos por música gostam de refletir sobre coisas como "quem é o maior rockstar de todos os tempos". Há várias opções por vários motivos. Pelo impacto global, poderia muito facilmente ser Bob Marley. Elvis Presley foi, naturalmente, o primeiro astro do "rock and roll" (não que ele tenha criado o rock, mas foi a primeira grande estrela do rock). 
Com sua mística e seu carisma, Jimi Hendrix e Jim Morrison também encantaram os fãs por gerações, Mick Jagger e Keith Richards corporificaram o rock por décadas e quando pensamos na ideia de deuses do rock, ninguém supera Robert Plant e Jimmy Page.
Quando você olha para todos os traços que definem um rockstar - o talento que transcende gerações; uma abordagem intransigente de sua arte; uma voz para o bem; influência em outros músicos; uma vontade de evoluir e um carisma que fala para todas as línguas e todas as culturas - talvez você tendesse a citar David Bowie, que até pode ser o número dois.
Mas ao idealizar estas características como um todo, especialmente a consciência social, a determinação inflexível e a poderosa influência, o nome que mais vem à mente é John Lennon (a quem Bowie certa vez chamou de "seu maior mentor").
Converse com outros músicos e eles certamente falarão de sua influência transcendente. Em minhas milhares de entrevistas, o enorme papel de Lennon na modelagem do rock aparece sempre de novo e de novo.
"Se estamos falando de músicas de protesto, o primeiro homem por quem eu me apaixonei foi John Lennon", me disse uma vez Shirley Manson, do grupo Garbage. "Para mim, ele é sempre o mais legal dos Beatles porque assumiu uma posição e pagou um preço alto por isso. Ele foi um militante pioneiro e seu exemplo ficou comigo a vida toda e provavelmente sempre ficará".
A paixão de Lennon pela mudança social também ecoou em Sinead O'Connor: "John Lennon, obviamente, eu admiro porque ele usou sua plataforma tanto quanto podia para as coisas em que acreditava".
O número de artistas que citam a música "Imagine" como a maior canção de protesto de todos os tempos, embora possa nem ser o seu melhor, é impressionante. E como acontece com grande parte do seu trabalho, seu nome transcende gêneros e gerações, de Carlos Santana a Dan Reynolds da Imagine Dragons.

*Steve Baltin

O ROMANCE NEO-REALISTA EM PORTUGAL

A denominação Neo-Realismo nos sugere a volta da moda realista, mas, em se tratando de Literatura, é claro que não pode haver um “retorno” d...